Arqueonáutica, Uma associação
pioneira no estudo e salvaguarda do património arqueológico náutico e subaquático em
Portugal
Filipe Castro, Lisboa, 14 de Novembro de 1996, Presidente interino de Arqueonáutica Centro de Estudos.
Arqueonáutica, Centro de Estudos was created as a non-profit organization
around the National Museum of Archaeology in Lisbon, by Francisco Alves, Octávio Lixa Filgueiras, and other
scholars to promote and protect the Portuguese underwater cultural heritage. For the projects developed in the
early 1990s it stands as a very good example of cooperation between scholars and avocationals. During the period
1993-95, when the Portuguese government issued legislation allowing for the sale of artifacts of archaeological
excavations, Arqueonáutica played a central role in aggregating all the voices that opposed treasure hunting
in Portugal. The legislation was frozen in 1995 and repealed in 1997. Arqueonáutica must not be confounded
with Arqueonautas SA., the treasure hunting company created during the same period. Translate with Systran or Altavista.
Criada para preencher o vazio existente neste domínio em Portugal, ARQUEONÁUTICA
Centro de Estudos constituiu-se como uma associação cultural sem fins lucrativos que tem por finalidade
promover o estudo e a salvaguarda do património cultural náutico e subaquático.
Hoje, com mais de três centenas e meia de associados, espalhados um pouco
por todo o país, esta associação reune à sua volta um conjunto de interessados capaz
de constituir a massa crítica suficiente para a promoção e salvaguarda do património
náutico e subaquático português.
A escritura pública da associação foi publicada em 26 de
Junho de 1991. Em Dezembro de 1992 foi reconhecida pela Secretaria de Estado da Cultura como instituição
de manifesto interesse cultural.
O seu orgão é o boletim "Correio de ARQUEONÁUTICA", do qual
foram editados dois números.
Actualmente conta com mais de três centenas e meia de associados, das mais diversas
formações académicas e profissionais, havendo naturalmente uma quota importante de historiadores
e arqueólogos, mas congregando também geólogos especialistas no interface marítimo,
engenheiros especializados em hidráulica marítima, físicos do radiocarbono, juristas do direito
marítimo internacional, arquitectos, designers, empresários,
estudantes e mergulhadores amadores, para além das entidades públicas e privadas, nacionais e estrangeiras
que se juntaram neste projecto.
Em 1992 emitiu o número 1 do boletim "Correio de ARQUEONÁUTICA",
integralmente patrocinado pela Alcatel Portugal, publicitando assim a sua existência, fazendo chegar ao público
interessado, de uma forma sucinta e rigorosa, uma resenha dos trabalhos que o Museu Nacional de Arqueologia (MNA)
vinha promovendo há cerca de uma década e dos quais o público só conhecia uma parte,
de forma incompleta e às vezes distorcida, através dos orgãos de comunicação
social.
A informação veiculada por este número do boletim suscitou de forma
particular o interesse de um pequeno grupo de mergulhadores e curiosos, que se começaram a reunir em torno
do MNA, corporizando o que mais tarde haveria de ser designado por "núcleo duro" da associação,
e que serviria de massa crítica para a promoção dos programas e projectos então já
em gestação.
Em 1993, com o apoio da estrutura do MNA e do grupo de mergulhadores do "núcleo duro",
promoveu e realizou o projecto do Itinerário Arqueológico Subaquático Océan, nas imediações da praia da Salema, que consistiu na montagem de um percurso subaquático
ao longo de um fio de Ariane, sobre os destroços - já escavados por Francisco Alves em 1984 e 1991
- de um navio francês de 80 canhões, naufragado ali em 18 Agosto de 1756, na sequência de uma
batalha com a esquadra inglesa. Os pontos notáveis desta jazida foram assinalados por placas de acrílico
de cores vivas com a informação necessária à compreensão do sítio.
Os visitantes que afluiram à Salema nesse verão eram largados junto a uma bóia
sobre o ponto zero do percurso, desciam pelo cabo e
aterravam sobre a âncora de misericórdia do navio, objecto de 3 toneladas com 5.5 metros de comprimento
e 4 metros de envergadura, cuja imponência permitia desde logo avaliar a escala do navio e as dimensões
daquela tragédia.
Deste itinerário foi elaborado um vídeo, que foi difundido pela televisão.
De uma forma geral, este projecto recolheu a atenção da comunicação social, que publicou
algumas notas interessantes e razoavelmente completas sobre o assunto.
Ainda nesse Verão, aproveitando a montagem da excelente base de apoio operacional
ao itinerário subaquático no campo arqueológico das ruínas romanas da Boca do Rio,
Arqueonáutica colaborou ainda em várias acções de reconhecimento e salvamento arqueológico
subaquático.
Destas operações a mais importante terá sido o reconhecimento e salvamento
ar­queológico subaquático das 8 magníficas bocas de fogo filipinas da Ponta do Altar B, junto a Ferragudo, com a colaboração
dos achadores, Luís Bentes e Luis Sacramento, acção que mereceu também bastante atenção
dos meios de comunicação social. Como resultado desta intervenção foi elaborado um
relatório completoi.
Um outro achador e membro da associação havia avistado duas âncoras de
pedra ao largo da Ponta da Piedade, junto a Lagos, que foram também posicionadas e recuperadas.
Não menos interessantes foram ainda as intervenções em Armação
de Pêra (salvamento de um cepo romano), Balaia e Albufeira (reconhecimento e localização de
bocas de fogo em ferro), para reconhecimento de achados fortuitos previamente declarados, e um mergulho no poço
de Silves, a pedido da equipa de arqueólogos responsável pela escavação.
Arqueonáutica foi entretanto estabelecendo e estreitando laços com as mais
diversas instituições e pessoas, em diversos pontos do país, assumindo como prioridade, a
partir daí, a criação de uma estrutura acessível e dialogante que pudesse enquadrar
a participação de mergulhadores desportivos, caçadores submarinos, pescadores e outros utentes
do mar.
Ainda em 1993, por intermédio de um dos associados, Arqueonáutica viria a conhecer
António Sá, um mergulhador profissional de Aveiro, que doou uma extraordinária colecção
de cerâmica ao MNA e declarou às autoridades dois sítios de provável interesse arqueológico,
ria de Aveiro B e C, por haver notícia de um outro local de potencial interesse que passou a ser designado
por ria de Aveiro A.
Lançadas as bases de uma cooperação desinteressada entre o Estado e
a sociedade civil mercê da situação ímpar de ser o Presidente de Arqueonáutica
simultaneamente Director do MNA, importava agora reforçar estes laços e enquadrar cientificamente
as acções voluntariosas da massa crítica que se ía juntando em torno da associação.
Arqueonáutica organizou então, em colaboração com o Museu Nacional
de Arqueologia e com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian, da Fundação
Oriente, do Barclays Bank e da Pro Club Sports Trading Portugal Lda., um Curso-Seminário com o tema "Arqueologia
e Meio Aquático", que se desenrolou ao longo
de nove meses, em trinta e duas sessões, recorrendo a um vasto leque de reputados especialistas em diversas
áreas das Ciências Humanas, da Terra e Exactas.
Tendo começado com pouco mais de sessenta participantes, esta iniciativa pioneira
(a primeira do género a ser realizada em Portugal) acabaria trinta e duas semanas depois com mais de uma
centena de interessados.
Só um dos projectos lançados durante este ano conheceria um ligeiro atraso,
mercê por um lado das péssimas condições atmosféricas e por outro da necessidade
de preparar cuidadosamente toda a logística necessária. Trata-se do projecto de reconhecimento e
registo arqueográfico da zona do esporão de S. Julião da Barra, que só viria a começar
no terreno em Abril do ano seguinte.
Em Dezembro de 1993 Arqueonáutica contava com 204 associados, mais do dobro dos 96
que se encontravam inscritos no início do ano.
Ainda no âmbito de uma estreita colaboração institucional, 1993 foi o
ano do apoio à modernização do sector de documentação de arqueologia subaquática
do MNA e da organização, arrumação e manutenção do parque oficinal e
dos apetrechos e equipamentos de arqueologia subaquática deste Museu.
A existência da associação permitiria ainda a viabilização
financeira do programa de actividades de arqueologia subaquática do MNA para 1993, através da recepção
de um subsídio do IPPAR, e o apoio a diversas acções de terreno e de gabinete, destacando-se
no primeiro caso a realização de mergulhos de manutenção e observação
na praia do Barranco, na Torre de Aspa, na ria de Aveiro B e em Tróia.
No que diz respeito às acções de gabinete, Arqueonáutica procedeu
à cobertura integral de despesas com a preparação e edição dos relatórios
de actividade e respectivas cópias.
No plano editorial foi emitida uma Circular dedicada ao caso do navio espanhol La Condesa, naufragado em 1555 nas proximidades da praia da Carrapateira
e de um Suplemento dedicado ao programa de actividades de arqueologia subaquática para 1993. Foram ainda
editados autocolantes em dois tamanhos, com o logotipo adoptado pela associação, constituído
por uma composição com a figura de um navio da época romana, reproduzida a partir de uma moeda
de Ossónoba (Faro), dos meados do séc. I a.C.
No plano da sua responsabilidade civil e deontológica a associação tomou
a iniciativa de informar o IPPAR da recuperação clandestina de um cepo de âncora antigo que
foi posterirmente publicitada no CPAS através de uma projecção de vídeo - facto que
provocou alguma polémica pública.
De referir igualmente que Arqueonáutica aderiu à FEPASC (Federação
Portuguesa de Associações e Sociedades Científicas).
Apesar de todas as iniciativas tomadas e do sucesso e acolhimento que estas obtiveram por
parte da sociedade civil e dos orgãos institucionais, sem excepção, 1993 viria a ser o último
ano de bonança para a associação. A publicação do Decreto-Lei 298/93, de 21
de Agosto, abrindo o património arqueológico subaquático à exploração
comercial e subordinando todas as intervenções à lógica do lucro, constituindo uma
iniciativa a contra-corrente de toda a doutrina adoptada sobre este assunto na Europa nos últimos 20 anos,
abriria um conflito insanável entre a associação e as instituições tuteladas
pela então Secretaria de Estado da Cultura e encarregues da atribuição de concessões
de exploração comercial de naufrágios, bem como da gestão e fiscalização
dos trabalhos, ou seja, a Comissão do Património Cultural Subaquático e o IPPAR.
Discutível do ponto de vista jurídico, técnico e científico,
este diploma consagrava na prática os interesses dos empresários da caça aos tesouros e dos
vendedores de sonhos, ao mesmo tempo que inviabilizava todas as intervenções que não dissessem
respeito a contextos com tesouros, ou seja, reduzia o estudo e a salvaguarda do património subaquático
aos escassos 300 anos em que os navios transportaram ouro, prata, porcelanas e pedras preciosas, entre os séculos
XVI e XVIII.
Mas sobretudo considerávamos chocante a leviandade dos responsáveis ao elaborarem
uma lei - com consequências irreversíveis para o futuro do património subaquático -
sem que tivessem sido ouvidos os especialistas desta disciplina, nas inúmeras universidades e institutos
de renome internacional que se dedicam à arqueologia subaquática. Esta lei parecia resultar apenas
da convicção de que a única lógica a ter em conta pelos políticos era a lógica
de mercado e de que, assim, a cultura e a ciência se deviam autofinanciar se se quisessem permitir um lugar
na sociedade dos nossos dias.
Nunca publicamente assumida, esta concepção bárbara de uma sociedade
que não considerava factores civilizacionais, culturais ou sociais, era tanto mais aberrante quanto anacrónica
porquanto as teorias neo-liberais mais "puras e duras" se haviam completamente desactualizado com a recessão
económica do final da década de oitenta e os fracassos destas teorias nos EUA, no México ou
mesmo no sudeste asiático.
Acima de tudo, ressaltava ainda a falta de coerência interna deste projecto, uma vez
que era logo à partida evidente o absurdo de que a arqueologia subaquática se poderia alguma vez
autofinanciar pela venda dos espólios.
Ninguém no uso do seu perfeito juízo poderia imaginar como é que o Estado
poderia poupar dinheiro apesar de empenhar os arqueólogos e a Marinha na fiscalização dos
trabalhos, construir uma estrutura administrativa e burocrática para lançar concursos, avaliar propostas,
conceder licenças, fiscalizar o andamento dos trabalhos, acautelar os inevitáveis roubos - nunca
esteve sequer prevista a honestidade dos adjudicatários -, adquirir os bens recuperados a preços
de mercado às empresas de salvados, remunerá-las com 30 a 50% do valor do espólio e arcar
com as despesas de conservação de todos os itens recuperados que não interessassem a leiloeiros
e antiquários...
Nos últimos meses de 1993 os esforços da associação concentraram-se
assim em dois campos de acção prioritários, que se haveriam de continuar por todo o ano seguinte:
a luta política contra o D.L.289/93 e a preparação dos meios e estratégias de divulgação
das questões relacionadas com a importância do património subaquático.
Foram seleccionados como alvos prioritários dois segmentos da população:
por um lado os estudantes, por outro lado os responsáveis municipais das câmaras ribeirinhas. Os primeiros
por constituirem a prazo a massa crítica que servirá para garantir a existência de uma opinião
pública forte e bem informada. Os segundos porque a curto prazo poderiam constituir os melhores vigilantes
da salvaguarda do património cultural pelo princípio da subsidariedade.
O curso-seminário continuou a decorrer pelo ano de 1994 com uma organização
trabalhosa mas sem quaisquer sobressaltos e, sobretudo, com um número crescente de entusiastas que se somava
aos já assíduos frequentadores de primeira hora.
Apesar da crescente tensão entre a associação e os orgãos que
tutelavam a arqueologia subaquática - a Comissão do Património Subaquático e o IPPAR
- Arqueonáutica solicitou autorizações para as intervenções de salvamento arqueológico
dos restos da embarcação do século XV Ria de Aveiro A, de montagem do Itinerário Arqueológico Subaquático Océan
e de registo arqueográfico de bocas de fogo em ferro nos sítios arqueológicos
da Ponta do Altar A e B.
Os restos da embarcação da Ria de Aveiro A, depois de terem sido declarados
vários anos antes, sem que nunca tivessem sido localizados, foram avistados finalmente em Abril de 1994
pelos membros da associação Miguel Aleluia e Fernando Almeida e datados pelo radiocarbono como sendo
do início do século XV, representando assim um dos achados mais importantes à escala mundial
no que diz respeito à história da arqueologia naval ibérica, como se veio aliás a demonstrar
posteriormente, aquando do início das escavações.
O Itinerário Arqueológico Subaquático Océan
havia sido montado, à semelhança de outros existentes no Mundo, numa
zona estudada e bem conhecida, acessível e segura para o mergulho desportivo. Nestas condições
constituía um verdadeiro sucesso do ponto de vista lúdico, mas sobretudo do ponto de vista pedagógico,
permitindo aos jovens mergulhadores o contacto com um sítio arqueológico subaquático preservado
e valorizado.
No centro da Boca do Rio eram fornecidas, antes ou depois dos mergulhos, informações
sobre este navio e as circunstâncias da sua perda.
A criação de exemplos paradigmáticos no campo da salvaguarda e valorização
do património tem constituído nas últimas décadas, à escala mundial, a forma
mais eficaz de mostrar a políticos e populações o que é possível fazer e com
que meios. Neste âmbito Arquonáutica propôs novamente a montagem do itinerário Océan, aproveitando a excelente base de apoio que o campo arqueológico
da Boca do Rio constituía.
Quanto ao registo arqueográfico de bocas de fogo em ferro nos sítios arqueológicos
da Ponta do Altar A e B, o pedido de autorização fazia sentido, em nosso entender, a três níveis
estratégicos. O primeiro, imediato, dizia respeito à necessidade de verificar algumas das medidas
entre pontos mais distantes, que não haviam sido obtidas com o rigor julgado suficiente. Além disso,
a existência de um segundo núcleo de bocas de fogo - possivelmente correspondendo a um naufrágio
posterior - convidava ao seu registo arqueográfico rigoroso. Num segundo nível, estas operações
poderiam ser executadas em consonância com os trabalhos da equipa que viesse montar o itinerário Océan,
proporcionando sinergias evidentes e, acima de tudo, garantindo uma presença institucional no Algarve, acumulando
confianças com as populações locais, garantindo a existência de canais de comunicação
priveligiados entre os utentes do mar (os principais achadores e colaboradores) e as instituições
responsáveis (neste caso o MNA e o IPPAR). Num terceiro nível, talvez o mais importante, assegurava-se
a "rodagem" de colaboradores e técnicos de arqueologia que, podendo obter experiência com trabalhos
simples, poderiam a prazo vir a substituir os arqueólogos em missões de menor complexidade e responsabilidade,
aliviando-os das imprescindíveis pequenas missões de reconhecimento não intrusivas, das inúmeras
operações de registo arqueográfico de sítios conhecidos, ou dos contactos preliminares
e informais com os achadores, para mencionar só alguns exemplos.
Aos dois primeiros pedidos nunca foi dada qualquer resposta. Quanto ao pedido de autorização
para registo arqueográfico de bocas de fogo na Ponta do Altar, a Comissão do Património respondeu
solicitando informações sobre "(...) se os trabalhos arqueológicos
subaquáticos visam a obtenção de uma licença ou pretendem dar início a um procedimento
de concessão nos termos do Decreto-Lei nº 289/93 de 21 de Agosto e que em qualquer dos casos deve ser
enviada descrição detalhada da acção que se pretende desenvolver".
Arqueonáutica não respondeu, sobretudo por falta de tempo, uma vez que esta
resposta tardou bastante.
Já com o apoio da Câmara Municipal de Lagoa para a realização
dos trabalhos, a associação deliberou aproveitar a logística disponibilizada para a realização
de um estágio de monitores dos cursos de iniciação à arqueologia subaquática
então em estudo.
O lançamento destes cursos, já anteriormente pensado numa prespectiva estratégica,
fundamentava-se na evidência de que, se se pretendesse implementar uma política de salvaguarda do
património arqueológico subaquático (ou outro qualquer), seria mais seguro apostar na formação
e na mobilização das populações do que na elaboração de pacotes legislativos.
Ao mesmo tempo que ultimava a estrutura dos cursos teorico-práticos de formação
em arqueologia subaquática, trabalho que já havia sido iniciado há vários meses, tendo
como base o modelo dos cursos da associação inglesa Nautical Archaeology Society (NAS), Arqueonáutica começou
a preparar o número 2 do seu boletim.
À semelhança dos cursos da NAS estes cursos-seminários são estruturados
em quatro níveis diferentes: nos dois primeiros são ministrados, ao longo de sessões teóricas
e práticas, os conhecimentos básicos necessários a um técnico auxiliar de arqueologia
subaquática que se espera que venham depois a ser desenvolvidos em trabalhos práticos devidamente
enquadrados; o terceiro nível consiste no aprofundamento dos conhecimentos adquiridos em situações
práticas - no mar - e pressupõe um envolvimento teórico maior, devendo os participantes assistir
a pelo menos duas conferências sobre temas definidos e elaborar um relatório sobre uma observação
aplicada; o quarto nível pressupõe que o participante tenha trabalhado pelo menos doze semanas em
três sítios arqueológicos diferentes e não consiste na frequência de aulas ou
cursos adicionais, mas implica a elaboração de uma dissertação sobre um projecto aprovado
e oficialmente homologado, sob a orientação de uma comissão de ensino.
O início do ano foi ainda marcado pela preparação do estaleiro que iria
propiciar o imprescindível apoio de rectaguarda às operações de S.Julião da
Barra e pelo apoio, muito especialmente material, prestado pela associação à elaboração
e edição de quatro relatórios do Dr. Francisco Alves sobre operações em que
haviam colaborado sócios da Associação, designadamente em Aveiro, - Relatório
da missão de reconhecimento da jazida arqueológica subaquática Ria de Aveiro Bii - em Ferragudo, - Relatório
da intervenção de emergência no sítio da Ponta do Altar Biii - e em Albufeira, - Reconhecimento de emergência na área
do avistamento de um canhão de ferro nas imediações da praia da Balaia/Santa Euláliaiv e Reconhecimento de emergência
na área do avistamento de um canhão de ferro nas imediações da praia de Albufeirav.
As inúmeras notícias de avistamentos que começavam a afluir à
associação testemunhavam eloquentemente a existência de bases para a construção
de uma relação de confiança entre os achadores e a administração pública,
através de associações como Arqueonáutica.
Assim, foi decidida a organização de um banco de dados do tipo Carta Arqueológica
que incorporasse as múltiplas informações veículadas por associados, programa esse
que reverteria integralmente em favor dos orgãos e serviços oficiais e que funcionaria de acordo
com critérios de probidade máxima.
Os trabalhos de preparação do estaleiro de rectaguarda do projecto S. Julião
da Barra iniciaram-se a 15 de Janeiro nas instalações do MNA, contando com a participação
entusiástica de cerca de uma dezena de associados.
O esporão rochoso onde se encontra a fortaleza de S. Julião da Barra encontra-se
suficientemente próximo do Museu para permitir montar uma operação a partir das suas instalações
e o notável conjunto de achados fortuitos ali efectuado, a par da extensa lista de naufrágios ali
registados, fazem deste importante sítio arqueológico uma zona ideal a ser passada a pente fino,
num projecto de longo prazo, com custos baixíssimos, servindo para formar toda uma nova geração
de arqueólogos e técnicos auxiliares que se começava a reunir em torno do projecto Arqueonáutica.
No plano editorial e no quadro do pedido de autorização solicitado à
Comissão do Património para a montagem do itinerário subaquático Océan, foi elaborado, em Março, um dossier intitulado O Itinerário
Arqueológico Subaquático Océan - um projecto cultural e turísticovi , subsequentemente enviado com um
pedido de apoio à Câmara Municipal de Vila do Bispo, ao ICEP e ao Gabinete da Área Protegida
do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Com os trabalhos de preparação do estaleiro de rectaguarda do Projecto S. Julião
da Barra adiantados e as condições atmosféricas a melhorar iniciaram-se os primeiros mergulhos
de rotina e treino, sob a responsabilidade do Dr. Francisco Alves.
Em Sesimbra, no mar de Ancão, elementos da associação recuperaram um
cepo de âncora antigo, de chumbo, que foi declarado na Delegação Marítima local e depositado
no MNA.
Entre 26 e 30 de Março, o Dr. Francisco Alves e elementos da associação
efectuam os primeiros registos arqueográficos não intrusivos nos destroços da Ria de Aveiro A.
Destes trabalhos foi elaborado em Maio o dossier Ria de Aveiro
A - Projecto de Salvamento arqueológico dos restos de uma embarcação da 1ª metade do
século XVvii. Subsequentemente remetido
à Fundação Calouste Gulbenkian com um pedido de apoio, este foi muito rapidamente deferido,
tendo sido concedido à associação um subsídio de 1 milhão de escudos, verba
que seria empregue nos cuidados de tratamento e registos gráfico e fotográfico do vasto lote de peças
salvas do local, que incluiram o recurso a uma finalista da Escola Superior de Conservação e Restauro.
Logo após, nos primeiros dias de Abril, a convite do Presidente da República,
Francisco Alves, acompanhado pelo signatário, deslocou-se à fortaleza de S. Luis de Almadena, para
a apresentação de um painel sobre a arqueologia subaquática em Portugal no quadro da Presidência
Aberta.
Em meados deste mês iniciam-se os trabalhos em S. Julião da Barra com um primeiro
mergulho de reconhecimento em apneia. Estes trabalhos começariam com regularidade no início de Junho
e desenvolver-se-iam até ao dia 5 de Outubro, sempre aos fins de semana, tendo sido interrompidos nesta
altura, em que se iniciava o ano lectivo de 1994/95 e se dava por findo o prazo autorizado.
Desta campanha resultou o relatório S. Julião
da Barra, Projecto de Arqueologia Subaquática, Relatório dos Trabalhos Efectuados em 1994viii, da autoria de Francisco Alves, na qualidade de arqueólogo
responsável.
Os trabalhos realizados neste local incluíram uma prospecção extensiva
da zona fronteira à fortaleza e o levantamento de uma zona, designada por SJB1, da qual foi elaborada uma planta geral de posicionamento de dezassete bocas de fogo e de uma âncora,
todas em ferro, que foram fotografadas e desenhadas in situ, já que não se colocava a necessidade
de as recuperar por não se encontrarem ameaçadas de destruição.
A importância deste sítio, já bem atestada, quer pelas fontes escritas
e pela tradição oral de achamento de moedas e outros objectos nos areais das praias que enquadram
este promontório rochoso, quer pela descoberta e recuperação de inúmeros testemunhos
arqueológicos por mergulhadores amadores, sobretudo a partir dos anos setenta, foi confirmada pelo avistamento
dos restos de um casco de madeira nas proximidades do qual foram recolhidos fragmentos de porcelana do período
Wan-Li e onde se podia observar, nas frestas do tabuado
e do cavername que afloravam no fundo de areia, grãos de pimenta. Esta zona foi designada por SJB2 e só está acessível ao mergulho durante as
primeiras horas de maré vazante em virtude das violentas correntes que as marés enchentes ali provocam,
sendo portanto limitadas as possibilidades de intervenção.
Já com os trabalhos encerrados, a notícia do avistamento de uma pequena peça
de artilharia em bronze por mergulhadores desportivos nas proximidades daquele casco e os rumores de que este grupo
a pretendia recuperar originaram uma situação de crispação entre alguns membros da
associação.
Um deles, de uma forma algo intempestiva e tão imponderada quanto generosa, resolveu
recuperar a boca de fogo em risco - que já tinha sido sinalizada por alguém com uma pequena bóia
na semana anterior - e aproveitou uma maré extraordinariamente limpa, ao início da noite e portanto
fora do horário de trabalho, para as operações de salvamento, tendo posicionado a mesma em
relação a uma âncora existente nas proximidades e filmado toda a operação.
A intervenção pronta e pertinente da polícia marítima durante
as operações haveria contudo de criar uma situação complicada, porquanto a lei era
clara e não permitia qualquer operação de recuperação não autorizada.
O grupo de mergulhadores envolvidos havia pois cometido uma contra-ordenação social, punível
com coima e passível de apreensão dos equipamentos de mergulho envolvidos na operação.
Dada a situação conjuntural de conflito de pontos de vista entre Arqueonáutica
e o poderoso lobby da caça aos tesouros instalado
em Portugal, este incidente veio alimentar uma série de calunias que, embora nunca proferidas abertamente,
foram amplamente utilizadas para denegrir a integridade moral dos membros da direcção, insinuando
ligações a esta recuperação à margem da lei ou mesmo conivências com o
furto de um objecto arqueológico...
A circunstância de um dos intervenientes haver doado uma colecção de
jóias, moedas e outros objectos ao MNA, de serem pessoas cuja idoneidade poderia ser atestada pela direcção
de Arqueonáutica e, sobretudo, de este levantamento ter sido antecipamente anunciado (durante meses) pelos
autores com o propósito exclusivo - e porventura demasiado pragmático - de salvar uma peça
de extraordinário valor arqueológico, - talvez a última de uma longa série que dali
havia já sido retirada sem rasto - de nada serviu.
A Comissão do Património Subaquático deliberou remeter o processo ao
Ministério Público, criando assim um clima de desconfiança e crispação entre
o Estado e os pescadores e mergulhadores da zona, que tradicionalmente guardam - como em quase todo o Mundo aliás
- os achados fortuitos como recordações e que começavam agora a ser atraídos para os
cursos da associação, demonstrando interesse e abertura, correspondendo com informações
sobre sítios e objectos recuperados no passado, que de outra forma nunca chegarão ao conhecimento
dos arqueólogos.
Entretanto, a associação continuava a sua política de divulgação
da importância do património e de luta contra a abertura da caça ao tesouro em Portugal. A
19 de Junho realizou-se a Assembleia Geral da associação, para a eleição dos novos
corpos gerentes.
Em Agosto, aproveitando as facilidades já concedidas pela Câmara Municipal de
Lagoa para a realização dos trabalhos de montagem do Itinerário Arqueológico Subaquático
Océan e de registo arqueográfico de bocas
de fogo em ferro nos sítios arqueológicos da Ponta do Altar A e B, que não haviam sido autorizados
pela Comissão do Património Subaquático, foi implementado (de 1 a 14), sob a orientação
do Dr. Francisco Alves e com a participação de diversos associados, um estágio de preparação
de monitores dos futuros Cursos Intensivos de Iniciação à Arqueologia Subaquática,
com base na Escola Primária de Ferragudo. A Câmara Municipal de Lagoa disponibilizou igualmente um
bote semi-rígido com condutor para apoio a este estágio.
Ainda durante este mês, a 17 de Agosto, a RTP2 viria a noticiar os trabalhos a decorrer
no âmbito do projecto de S. Julião da Barra.
A partir do final das operações em S. Julião da Barra, Arqueonáutica
centrou a sua acção na implementação dos Cursos Intensivos de Iniciação
à Arqueologia Subaquática inspirados no modelo pioneiro da Nautical
Archaeology Society e baseados num esquema de ensino e formação em
quatro níveis.
Assim, entre Outubro e Dezembro, foram realizados três cursos para o nível 1,
designadamente dois em Lisboa, em Outubro e Dezembro, em colaboração com o MNA e a Academia Militar,
e um em Coimbra, em Novembro, em colaboração com o Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras
de Coimbra, o Museu Monográfico de Conímbriga e a Câmara Municipal de Coimbra.
A elaboração do nº 2 do "Correio de Arqueonáutica", iniciado em
Agosto com a actualização de diversos textos já seleccionados anteriormente dizendo respeito
ao período que havia decorrido desde a emissão do nº 1, entrou em fase final de elaboração
e ficou praticamente concluído em Dezembro.
Ainda nestes últimos meses do ano foi apresentado à EXPO-98 um projecto de
actuação na área do património arqueológico subaquático, enfatizando
a divulgação e a promoção dos valores relativos à salvaguarda do património
que não viria a ter resposta. Este projecto era particularmente interessante porquanto o público
alvo seleccionado pela EXPO'98 era o dos adolescentes, que constituem um factor crítico de sucesso para
o sucesso de qualquer política relacionada com a salvaguarda do património subaquático.
Se 1994 foi sobretudo um ano de luta contra o D.L. 289/93 e as expectativas dos promotores
dos projectos de salvamento de tesouros afundados, em 1995 dividiram-se as energias entre a acção
político-cultural e as acções de formação, através dos Cursos Intensivos
de Iniciação à Arqueologia Subaquática.
Impossibilitada de promover os trabalhos arqueológicos que se havia proposto realizar,
Arqueonáutica empenhou-se na promoção destes cursos.
Assim, de 2 a 13 de Setembro, na ilha Terceira, Açores, foram realizados dois Cursos
Intensivos de Iniciação à Arqueologia Subaquática de nível 1 e dois de nível
2, com o patrocínio da Direcção Regional dos Assuntos Culturais e o apoio do Museu de Angra
do Heroísmo.
Em Novembro foram realizados mais dois cursos em Torres Novas, de nível 1 e 2, por
iniciativa da Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia e o apoio da Câmara Municipal local.
No plano da acção política e de divulgação foi editado
o segundo número do Correio de Arqueonáutica, ainda no primeiro semestre do ano (em Junho), bem como
um desdobrável sobre os Cursos Intensivos. O boletim foi editado em 13.000 exemplares, 2.000 dos quais foram
oferecidos à associação e os restantes integrados na edição de Junho da revista
'Vela e Náutica'. Do desdobrável foram editados 5.000 exemplares, todos eles oferecidos à
associação.
Os custos foram integralmente suportados pela empresa Procter
& Gamble, que promoveu a respectiva edição, com o patrocínio
da Old Spice.
Nessa mesma ocasião ficou pronta a edição do conto metafórico
de Geoge F. Bass O homem que roubava as estrelas.
Logo após, a 28 de Junho, a associação promoveu a realização
de uma Assembleia Geral Extrordinária tendo como objectivo a discussão de um projecto de Livro Branco
sobre a legislação do património arqueológico subaquático em Portugal, elaborado
pela direcção. Este texto foi aprovado por unanimidade e editado logo após, sob o título
Arqueologia ou Caça ao Tesouro?ix.
Na sequência da edição do Livro Branco, Arqueonáutica envidou
esforços no sentido de promover um amplo debate de ideias através da comunição social,
com o objectivo de inverter o rumo dos acontecimentos e contrariar a forma demasiado discreta e pouco participada
que a Comissão Executiva, criada no âmbito da Comissão do Património Subaquático,
vinha imprimindo à gestão desta política sectorial.
Tendo realizado cerca de setenta reuniões à porta fechada, esta Comissão
Executiva viria a reunir o plenário uma escassa meia dezena de vezes, estabelecendo uma situação
tanto mais estranha e preocupante quanto não existia um único especialista em arqueologia subaquática
na dita Comissão Executiva.
Na sequência das notícias veiculadas pela comunicação socialx de que entre os concorrentes a concessões de salvamento de
tesouros havia quem se propusesse recuperar "uma caravela" inteira para expor na EXPO'98 a associação
publicou um texto de reflexão com o título O síndroma do elefante
brancoxi, que discutia os problemas relacionados
com a recuperação de cascos de madeira de navios antigos, com base nos exemplos conhecidos à
escala internacional.
Neste texto eram referidas as consequências, frequentemente ruinosas, destas decisões
quer no plano económico e patrimonial, quer ainda no plano científico, na medida em que os custos
astronómicos de conservação das madeiras absorvem verbas que de outra forma poderiam ser utilizadas
em projectos de investigação.
Entretanto, a contestação a este estado das coisas, propiciado pela nova lei,
viria a culminar com a realização de uma sessão de debate público sobre a legislação
da arqueologia subaquática em Portugal no grande anfiteatro do Instituto Superior Técnico, a 25 de
Outubro. A mesa desta reunião foi presidida pelo Sr. Professor Doutor Mário Ruivo, Presidente da
Federação Portuguesa de Associações e Sociedades Científicas e pelo Sr. Professor
Doutor Jorge Alarcão, Catedrático Director do Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, e incluía personalidades e representantes das mais importantes entidades do meio
da arqueologia portuguesa, entre os quais a Associação Profissional dos Arqueólogos e a Associação
dos Arqueólogos Portugueses.
Nesta reunião foi aprovada por esmagadora maioria dos votos presentes (com menos de
uma dezena de votos contra em cerca de uma centena de participantes) uma moção pedindo a revogação
do D.-L. nº 289/93 de 21 de Agosto.
Constatou-se que as entidades convidadas a representar a defesa da legislação
em análise nesta sessão de debate não compareceram, pura e simplesmente, preferindo mais uma
vez não discutir abertamente e em sede própria, com os interlocutores ali reunidos.
Deve ser dito que, se houve uma prática constante por parte dos responsáveis
pela gestão do património subaquático no quadro desta lei, esta foi de secretismo e falta
de diálogo e de informação à população, remunerando arbitrariamente uns
raros achadores fortuitos, perseguindo outros, ignorando a maioria das forças vivas e das organizações
interessadas nestas questões.
No início de Novembro, Arqueonáutica enviou memorandos ao Ministro da Cultura
sobre a situação da arqueologia e do património subaquáticos.
A promessa do novo primeiro-ministro empossado de revogar este diploma e a decisão
do Ministro da Cultura, tomada nos finais de Outubro, de suspender o funcionamento da Comissão do Património
Cultural Subaquático vieram alterar substancialmente as prioridades da associação, congelando
a atribuição de concessões às empresas de caça aos tesouros, e permitindo assim
o desenvolvimento de contactos no plano científico com entidades cuja colaboração se perfilava
como extremamente vantajosa para o futuro da arqueologia subaquática em Portugal.
Neste contexto foram estreitados os contactos com o Institute
of Nautical Archaeology (INA), entidade pioneira de enorme peso institucional e científico
à escala internacional, com a qual Arqueonáutica vinha já mantendo relações
de trabalho, quer no quadro da luta política desenvolvida, quer no das extraordinárias descobertas
que entretanto se produziram em Portugal.
Em primeiro lugar, as escavações nos restos de uma embarcação
datada do século XV, na Ria de Aveiro, no sítio designado por Aveiro
A e que decorriam sob a responsabilidade de Francisco Alves (embora "na estrita qualidade
de funcionário público" segundo o documento de autorização, e portanto sem qualquer
envolvimento da associação), com a colaboração dos especialistas Edoardo Riccardi e
Éric Rieth, evidenciavam a cada dia a extraordinária importância deste contexto, à escala
mundial.
Em segundo lugar, os restos de um navio encontrado nas obras de escavção do
átrio do Metropolitano de Lisboa, no Cais do Sodré, permitiam colocar a possibilidade de se estar
perante mais uma descoberta de valor excepcional, com cerca de 24 metros de quilha em perfeito estado de conservação,
cavername, tabuado de casco e de forro interior não perturbados. Mais tarde, a datação de
amostras de madeira por radiocarbono, viria a corroborar esta hipótese, tendo colocado o abandono ou perda
deste navio nos finais do século XV.
A forma como o acompanhamento destas escavações foi conduzido motivou um protesto
escrito da associação junto da entidade responsável - IPPAR - embora sem qualquer consequência
ao nível do registo e conservação das madeirasxii.
A estas duas descobertas havia de se somar o achado dos restos da popa de uma embarcação,
desta vez do século XIV, ainda nas obras do Metropolitano, no poço de ventilação do
largo do Corpo Santo.
Por último, o Grupo de Amigos do Museu de Angra que havia desenvolvido um núcleo
de actividades subaquáticas extremamente activo e motivado na sequência dos cursos de iniciação
promovidos por Arqueonáutica no Verão anterior, avançava os contactos com o INA para o estabelecimento
de relações duradouras que se deveriam formalizar logo no Verão de 1996 numa operação
conjunta de prospecção na Baía de Angra de Heroísmo, na zona de construção
da uma futura marina, com a colaboração de Arqueonáutica.
Esta operação realizou-se com sucesso na data prevista, tendo apenas sido detectada
a presença dos restos de um casco em ferro de um navio a vapor sem importância arqueológica
que justificasse a realização de escavações de emergênciaxiii.
Em Abril-Maio de 1996 foram promovidos mais dois cursos de Iniciação à
Arqueologia Subaquática, do nível 1 e 2, em colaboração com o Centro de Estudos do
Mar da Figueira da Foz, no âmbito dos Encontros do Mar realizados naquela cidade.
Por fim, em meados do ano de 1996, a conjuntura política favorável e a ideia,
promovida pelo Comissariado do Pavilhão de Portugal da EXPO'98, de incluir no pavilhão objectos recuperados
na escavação de um contexto de naufrágio de um navio da Carreira da Índia, aproveitando
a efeméride da viagem de Vasco da Gama, viriam a proporcionar a criação do Centro de Operações
de Arqueologia Subaquática da EXPO'98 (C.O.A.S.) no âmbito do IPPAR.
Com a criação deste centro pretendia-se, por um lado, divulgar a importância
do património arqueológico subaquático português, designadamente no que diz respeito
à época da expansão europeia, um dos períodos que mais interrogações
suscita no que diz respeito à arquitectura naval - e sobretudo à arquitectura naval ibérica
erudita, materializada em diversos tratados cuja confirmação arqueológica ainda foi possível
- e por outro lado, aproveitar uma excelente oportunidade para lançar as raízes de um centro nacional
de arqueologia subaquática, no âmbito de um novo organismo a criar que tutelasse a Arqueologia, deixando
obra que se continuasse depois da exposição mundial de 1998.
A criação deste centro, sob a coordenação do Dr. Francisco Alves,
e o lançamento de uma campanha de escavação arqueológica em S. Julião da Barra,
também sob a orientação científica do então presidente de Arqueonáutica,
teve como consequência imediata a sua renúncia daquele cargo, que o signatário assumiu interinamente,
por inerência.
Materializadas as teses e aspirações de Arqueonáutica no Centro de Operações
de Arqueologia Subaquática, a associação espera agora a realização de eleições
dos corpos gerentes que deverão reequacionar a sua missão e objectivos no novo quadro institucional
que se prevê vir a consignar-se através da criação de um Instituto Português de
Arqueologia.
Entretanto, os seus associados vêm trabalhando (benevolamente) nas escavações
a decorrer em S. Julião da Barra, quer nos trabalhos de escavação subaquática propriamente
ditos, quer nos morosos trabalhos de rectaguarda, colmatando as folgas do pessoal do Centro, que trabalha sete
dias por semana em virtude dos prazos impostos pela inevitabilidade de se abrirem as portas do Pavilhão
de Portugal na data marcada.
Esta escavação já proporcionou a descoberta de um magnífico astrolábio
náutico, o terceiro encontrado no nosso país, que foi crismado com o nome S.
Julião da Barra e registado no Museu Marítimo de Greenwich com o número
78.
Bibliografia
Castro, Filipe, "Arqueonáutica, uma associação pioneira no estudo
e salvaguarda do património arqueológico náutico e subaquático em Portugal - I",
A União, January 11th, 1997.
Castro, Filipe, "Arqueonáutica, uma associação pioneira no estudo
e salvaguarda do património arqueológico náutico e subaquático em Portugal - II",
A União, January 18th, 1997.
Castro, Filipe, "Arqueonáutica, uma associação pioneira no estudo
e salvaguarda do património arqueológico náutico e subaquático em Portugal - III",
A União, January 25th, 1997.
Castro, Filipe, "Arqueonáutica, uma associação pioneira no estudo
e salvaguarda do património arqueológico náutico e subaquático em Portugal - IV",
A União, February 1st, 1997.
Notas
- Arqueologia Subaquática. Relatório da intervenção
de emergência no sítio da Ponta do Altar B (Ferragudo, Lagoa). ARQUEONÁUTICA Centro de Estudos.
Lisboa, Fevereiro de 1994;
- Relatório da missão de reconhecimento da jazida
arqueológica subaquática Ria de Aveiro B. ARQUEONÁUTICA Centro de Estudos. Lisboa, Dezembro
de 1993;
- Nota i supra;
- Reconhecimento de emergência na área do avistamento
de um canhão de ferro nas imediações da praia da Balaia/Santa Eulália (Albufeira) (Balaia
1). Lisboa, Janeiro de 1994;
- Reconhecimento de emergência na área do avistamento
de um canhão de ferro nas imediações da praia de Albufeira. Lisboa, Fevereiro de 1994.
- O Itinerário Arqueológico Subaquático
Océan - um projecto cultural e turístico. ARQUEONÁUTICA Centro de Estudos. Lisboa, 1994
- Ria de Aveiro A - Projecto de salvamento arqueológico
dos restos de uma embarcação da 1ª metade do século XV. ARQUEONÁUTICA Centro de
Estudos. Lisboa, 1994.
- S. Julião da Barra, Projecto de Arqueologia Subaquática,
Relatório dos Trabalhos Efectuados em 1994. ARQUEONÁUTICA Centro de Estudos. Lisboa, 1995.
- Arqueologia ou Caça ao Tesouro? - LIVRO BRANCO - Para
um debate sobre a legislação do património arqueológico subaquático em Portugal,
Lisboa, Junho de 1995.
- Isabel Braga, A febre do ouro submerso, "Público",
5 de Abril de 1995, p.28.
- Francisco J. S. Alves, O síndroma do elefante branco,
Arqueonáutica Centro de Estudos, Outubro de 1995.
- Isabel Braga, Maus tratos por negligência, "Público",
13 de Abril de 1996, p.29.
- Relatório em fase de ultimação pelo
Museu de Angra, prevendo-se a sua edição durante os primeiros meses de 1997.
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